
Acredito que nasci predestinado para trabalhar com comida. Isto porque, em abril de 1941, vim ao mundo dentro de uma cozinha. Isso mesmo, nasci na cozinha da minha querida mamãe Laura (que Deus a tenha). Aconteceu de repente: a bolsa estourou dentro da dispensa e eu não quis saber de esperar. Só deu tempo de a minha mãe chamar minha irmã mais velha e correr até a cozinha:
- Luziaaaaa, o Antônio vai nascer. Ajude-me aqui!
Fui o décimo terceiro de uma família de 23 irmãos (que loucura... que falta fazia uma televisão!). Minha mãe engravidava todo ano e para ajudá-la, todos tinham suas tarefas domésticas. A minha obrigação... ajudar na cozinha, é claro! Minhas irmãs mais velhas cozinhavam e eu era responsável por fazer o pré-preparo. Naquela época não conhecia por esse nome, mas tinha que cortar, picar, fatiar, ralar e muito mais. Ou seja, preparar todos os ingredientes que comporiam o cardápio do dia. Enfim, realizar o trabalho que todos odiavam. Entretanto, depois de algum tempo fui conquistando meu espaço e não demorou muito para perceberem que a cozinha estaria melhor em minhas mãos. Foi um pouco difícil para minhas irmãs admitirem. Porém, como vivemos em um país democrático, foi voto vencido. Criei até uma horta – era uma espécie de Jamie Oliver (célebre chef britânico) mirim – onde passava bons momentos do dia cuidando dos produtos que iam a mesa atender aquele batalhão de pessoas. Meu Deus! Era tanta gente que minha mãe fazia chamada na hora do almoço – para ver se todos estavam ali para se alimentar – e na hora de dormir – para conferir se todos estavam em casa e assim poder dormir sossegada.
Em 1959, consegui um emprego em uma cantina: a Lady's Garden, na Rua José Maria Lisboa em Sampa, onde aprendi com a Dona. Luccia e seu marido Sr. Paschoale – italianíssimos – os segredos da gastronomia italiana e pude aperfeiçoar os dotes culinários.
Naquela época, não existiam supermercados, mas sim, empórios onde se encontrava todo tipo de alimento para os lares e os restaurantes que procuravam produtos exclusivos de outros países. Foi ai então que elaborei as primeiras redondas para serem vendidas nas gôndolas que aos poucos foram conquistando o paladar dos paulistanos.
Em 1963, lendo os classificados de empregos em um jornal paulistano distribuído na Rua Direita (centro de Sampa), onde costumava passear para admirar os “modernos” arranha céus, achei o anúncio do “Restaurante Camelo” (originalmente, um restaurante de comida árabe na Rua Pamplona) e achei que poderia explorar meus horizontes aprendendo o que poderia ser classificado como uma “comida muito diferente”. Para conseguir a vaga, bolei uma estratégia infalível. Éra a época da moda elegante e as pessoas andavem na terra da garoa com seus chapéus e ternos alinhados. Então, as seis da matina do dia seguinte ao anúncio, estava eu batendo à porta do endereço na Rua Pamplona 1984. Momentos depois, saiu um faxineiro que já fazia a limpesa da noite anterior e se pôs a perguntar:
- Pois não? O que deseja?
- Sou o candidato da vaga de cozinheiro que seu patrão anunciou. Gostaria de falar com ele!?! Respondi.
- Xhiiiii, meu senhor, o patrão só chega as duas da tarde...
- Não tem problema! Posso esperar aqui fora? Perguntei sem deixá-lo terminar o que falava.
- Se o senhor não se cansar... Pode esperar... Respondeu fechando a porta de ferro e seguiu murmurando:
- Gente doida...
Uma hora depois surgiu o meu primeiro concorrente com o mesmo jornalzinho embaixo do braço. E pensei, "vai ser agora", então coloquei minha estratégia em prática.
Neste momento, como estava posicionado ao lado da porta. Então perguntei com ar de segurança da casa:
- Pois não?!? Senhor! Procura alguma coisa?
- Vim por causa do anúncio. Disse o homem tentando encontrar o número da casa na fachada do restaurante.
- Lamento senhor, mas a vaga já foi preenchida. Respondi com uma dorzinha no coração... Rsssss.
- Poxa!!! Obrigado. o homem agradeceu e saiu lamentando o episódio.
Meu plano seguiu assim com todos que ali chegavam e quando me dei conta, estava sózinho aguardando aquela oportunidade.
Chega então o dono do lugar, o senhor Hassan Salum - um árabe com rosto aredondado e bigode bem aparado - que sem perder tempo perguntou:
- Só você está procurando emprego aqui?
- Sim senhor!!! Respondi seguindo o homem bem vestido que sinalizava para acompanhá-lo.
Não deu outra... O emprego era meu!!!
Daí então, passei a conhecer essa rica cultura gastronômica e preparar pratos como kibe cru, Kafta, Homus, etc. Além de preparar as famosas comidinhas – Coxinhas, Esfihas, Empadas e kibes – que faziam a alegria dos executivos que saiam dos seus escritórios no centro financeiro em busca do melhor point de happy-hour de Sampa.
A casa foi pegando fama e começou ser frenquentada por artistas, políticos, formadores de opinião e empresários. Visualizei então, a oportunidade que sempre sonhei: apresentar a “Dona Redonda” para esse público tão seleto. Sabia que era um público exigente. Por isso, tinha que ser tudo especial. Então, criei um diferencial que conquistou definitivamente os amantes da boa pizza: a massa fina. Em princípio, ela ocupava um espaço tímido no longo cardápio árabe. Mas aos poucos foi tomando espaço e dominou o ambiente forçando a troca do nome para “Pizzaria Camelo”. De lá pra cá, a criatividade na criação dos sabores foram fundamentais para manter a fama e determinar a moda a ser seguida por quem se arriscava em fazer concorrência.
Hoje, meio século depois, fico feliz em saber que a história de Sampa por muitas vezes foi marcada por conversas que tiveram início a partir de reuniões em volta das milhares pizzas servidas nas mesas da “Pizzaria Camelo”.